sexta-feira, 29 de abril de 2011

Semana (Santa) do Índio

É mais uma semana no longo rosário de dor, de resistência paciente à secular dominação, de alçar a esperança nas raízes do futuro, de superar a secular opressão e extermínio.
Tey Ikue – a aldeia se mobiliza
A XV Semana dos Povos Indígenas na aldeia Tey Ikue, município de Caarapó, iniciou dia 14 de abril com debates sobre os grandes problemas que enfrenta a comunidade hoje “a violência, a desestruturação familiar, o enfraquecimento da língua guarani, a falta de perspectiva de sustentabilidade, a degradação ambiental e principalmente a necessidade de fortalecimento da identidade étnica”, conforme afirma o professor Kaiowá, Eliel. Diante desses enormes desafios, tem a clara consciência de que qualquer saída depende em maior parte do esforço e iniciativa da própria comunidade, “Sabemos ainda, que as alternativas não estão fora da comunidade, mas sim a partir do fortalecimento do sistema tradicional Guarani Kaiowá, mas a grande questão é: como fortalecer? Como fazer funcionar novamente o sistema tradicional em contexto diferente? Acreditamos que a resposta será coletiva e com o tempo. Fortalecer o espírito tradicional, enxergar a importância da terra, da natureza, da língua, os cantos, a nossa verdadeira maneira de ser “ñande reko tee”, são alguns objetivos maiores que estamos sempre buscando, através da nossa caminhada como comunidade desta aldeia”. No mesmo texto Eliel reafirma que esse longo, árduo e longo caminho passa necessariamente pela realização do sonho de retorno a suas terras tradicionais. “Os nossos maiores sonhos como Guarani Kaiowá é retornar a terra onde os nossos antepassados viviam, a nossa terra tradicional, porque assim, podemos retomar a nossa espiritualidade e o nosso verdadeiro modo de ser. Reencontrando com os antigos espíritos, podemos ser iluminados pelas suas sabedorias, firmar a nossa caminhada e fazer compreender a trajetória do nosso povo no mundo atual, por isso, ela é única, e a garantia da continuidade do povo Guarani Kaiowá. Neste ano comemoraremos a semana dos povos indígena com alegria, preocupação e com muita esperança, esperança de concretizar os sonhos a partir do exercício da autonomia”.
Conforme Otoniel, vereador e liderança desta comunidade, destacou que desta vez o debate procurou trazer a responsabilidade das famílias, da escola, dos nhanderu e os diversos espaços de organização para o enfrentamento dos sérios problemas que enfrenta a comunidade, de maneira especial a violência. Uma das decisões foi, depois desses 15 anos de Forum, desencadear um processo de avaliação e redefinição das estratégias do mesmo.
Terena na retomada denunciam e anunciam
O dia do índio, foi um momento forte de reflexão e debate na retomada Terena de Cachoeirinha. Conforme o professor Elvis“O fazendeiro José do Amaral disse que iria contratar 60 pistoleiros para nos expulsar da terra para a qual voltamos há 15 dias. Queremos dizer que estamos prontos para defender nossos direitos, nossa terra. E queremos dizer aos pistoleiros, que como nós tem suas famílias, que não se deixem iludir, podendo perder suas vidas”.
Ao mesmo tempo em que denunciam mais essa ameaça, reafirmam sua disposição de brigar na justiça pelos seus direitos, pois tem a certeza de que essa terra lhes pertence. Quem comprou essa terra há pouco tempo, manifestou sua má fé, pois sabia que se tratava de terra indígena, já reconhecida pelo Ministério da Justiça e parcialmente demarcada.
“Aqui está todo mundo animando. Nós Terena somos um povo agricultor, já preparamos 25 hectares e plantamos 200 quilos de feijão, que já está crescendo. Apenas queremos nossa terra para poder plantar e viver em paz”, declara o professor.
Panambizinho: Ajudando a mata a voltar
Uma das poucas terras reconquistadas pelos Kaiowá Guarani, que não tem invasores e tem seu processo de regularização concluído, enfrenta grandes desafios. Dentre os maiores problemas está a recuperação de sua economia, principalmente na produção de alimentos, e conseguir a recuperação ambiental, florestal em parte das terras especialmente nas beiras dos riachos e fontes de água. Como dizem, “ajudar a mata a voltar”. Acreditam que ainda tem muitas sementes no solo que vão ainda brotar. Porém é preciso também plantar mudas de árvores nativas e frutíferas. Para tanto contam neste momento com ajuda de aliados como o Cimi, UFGD, da Embaixada dos Paises Baixos, da Organização das Nações Unidas - PNUD. Um trabalho muito lento que conta com uma história de agressão à terra, destruição da mata, o capim e formigas tomando conta terra.
Para refletir sobre todos esses desafios e ao mesmo tempo se animar na difícil conquista da autonomia e vida com dignidade, na sua terra, é que os Kaiowá Guarani desta área planejaram a semana do Índio com uma série de atividades culturais, esportivas e de debate. Dentre os temas das palestras e debates se destacaram questões cruciais não apenas para as comunidades indígenas, mas para a humanidade, tais como “aquecimento global’, “drogas”, e o necessário cuidado com a recuperação das matas ciliares.
No dia 19 foi o dia mais intenso de comemoração, torneios esportivos, churrasco ao meio dia e a distribuição de uma série de mudas de árvores, doadas pela prefeitura de Dourados. Foram distribuídas a 86 famílias, mudas de 17 espécies. Além disso ainda ficaram as mudas para o pomar em torno da escola e o banco de sementes (bioma). Foi um momento carregado de emoção, compromisso com o cuidado com a mãe terra e também de esperança que para no futuro tudo possa novamente ser melhor.
A comunidade conseguiu se unificar em torno dessas importantes atividades, tendo sido os espaços mais importantes a Escola Paí Chiquito e a casa de reza, onde aconteceram todas as palestras.
A mãe terra agradece, e quem sabe aqueles que apenas conseguem ver a terra como objeto de produção e negócio um dia possam reconhecer a importante contribuição que essa terra indígena, como as demais, terão para o meio ambiente e a qualidade de vida na região.

Egon Heck
Povo Guarani Grande povo
Bonito, 20 de abril de 2011

O sonho Xavante e a esperança de mudanças reais

Por Gilberto Vieira dos Santos, Coordenador Regional do CIMI-MT

“Sonhou que alguém estava do outro lado do rio chorando e gritando, correu para lá, encontrou a lua que tinha sido envolvida em um pano molhado pelas estrelas. Voltou, pegou o fogo e correu para esquentar a lua. Quando ela melhorou, disse que havia gente que estava correndo atrás do sol e ele se escondia num buraco da terra. Correu, achou ruim com os Xavante, porque eram eles que espantavam o sol, assim liberou. A lua ficou agradecida e permaneceu com o pai dos Xavante. Por isso, agora, os Xavante têm filhos sadios. O sol ficou como pai dos waradzu; como ele é quente, os waradzu não tem saúde.”
Assim começa o mito do povo Xavante ‘Sonho da lua e do sol’, traduzido e transcrito na obra Jerônimo Xavante Sonha, dos salesianos Bartolomeu Giaccaria e Adalberto Heide. O conteúdo do mito nos remete a várias leituras, contudo, creio que entre as principais estão a perspectiva da integração dos Xavante à natureza e a resultante saúde do povo. Por outro lado, o waradzu, que é o não indígena, está associado à doença.
Talvez seja esta a grande ponta do fio histórico para entendermos porque este povo tão belo, dono de uma cultura forte e admirável, guerreiro em todos os sentidos, sofre com as freqüentes mortes de suas crianças, principalmente por doenças tão simplesmente controladas, como a desnutrição.
Entre os anos 1784 e 1788 se deu a chamada “grande pacificação” do povo Xavante. Guerreiros que resistiram, e resistem, em seus territórios foram sendo ‘convencidos’ a “paz”. Não precisamos ir muito longe para saber que esta dita paz significou a invasão de seus territórios e a expulsão dos Xavante, como aconteceu em 1966 com os que habitavam a terra Marãiwatséde. A mesma história se repetia, e nesta terra se instala o maior latifúndio da América Latina na época, a fazenda Suiá Missu. As primeiras doenças, já presentes entre os Xavante de São Marcos, para onde foram levados o povo de Marãiwatséde por aviões da FAB, causaram a morte de muitos daqueles e daquelas que ali chegaram. Tudo indica que, na presença dos waradzu, na invasão dos territórios está uma boa parte da explicação para as mortes que, já seculares, se abatem sobre o povo Xavante.
Embora os elementos de omissão e negação de direitos por parte dos governos que se sucederam já fossem presentes à época, hoje ganham dimensões de maior intensidade. Se anteriormente o Estado negou o direito territorial aos povos indígenas, trabalhando claramente para a expansão da empresa latifundista, hoje além de manter, na prática, acrescenta á esta negação outros direitos que significam, no frigir dos ovos, crimes contra o direito à vida. Esta ausência tem resultado no caos do atendimento à saúde dos povos indígenas e no vergonhoso número de mortes, principalmente de crianças, entre o povo Xavante. Parabubure, terra indígena localizada no município de Campinápolis é uma das situações vividas pelos povos indígenas de Mato Grosso. Como estão as outras comunidades Xavante onde também não se tem água em reais condições de consumo humano, mas é consumida assim mesmo por que não há outra opção; quantos poços foram perfurados para estas comunidades para evitar que as pessoas destas comunidades tenham buscá-la nos rios? E se não fossem ações do Projeto AMA, iniciativa do mestre salesiano Alois, que vem com sua equipe perfurando e consertando poços em várias terras indígenas, cumprindo, por vezes, o papel que o Estado deveria desempenhar como seria?
Não é demais lembrar que água potável, de qualidade para o consumo é parte relevante da saúde e o contrário significa doenças provocadas por amebas, verminoses e outras. Então, por que os recursos destinados ao “Saneamento básico em aldeias indígenas para prevenção e controle de agravos”, que envolvem a atenção ao fornecimento de água, entre outros, foram subutilizados em 2010, sedo utilizados apenas 3,45% dos mais de R$ 50 milhões disponíveis? Por que o montante dos recursos para “Estruturação de unidades para o atendimento à população indígena” e para a “Promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena” não foram empregados em sua totalidade?[1] Muitas comunidades vêm sofrendo com falta de manutenção dos equipamentos instalados nas aldeias como bombas d’água que passam meses quebradas, por que? Sabemos que não é por falta de recursos.
Alguns da parte do governo federal apontam que os problemas advêm do momento de transição do atendimento antes feito pela Funasa que passou para a Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena, SESAI. Mas e anteriormente, se estes problemas em muitas comunidades são muito anteriores ao decreto de criação da SESAI de quem era a responsabilidade? E não há um planejamento para esta transição? Os indígenas deverão esperar morrendo e sofrendo inúmeras privações de seus direitos enquanto o Estado se adéqua à suas próprias burocracias?
Certamente estes e outros questionamentos farão parte da pauta debatida pelos povos indígenas que se reunirão em Brasília no inicio de maio, onde buscam, a cada ano, fortalecer o Movimento Indígena tão importante e necessário diante do caos gerado pela omissão do Estado Brasileiro. Que a pressão popular e a denúncia, que ao que tudo indica é a única linguagem que permite comunicar aos governos a situação dos povos indígenas, resulte e ações efetivas que possam ir em direção oposta ao genocídio impetrado pelo Estado.

Hidroelétrica de Belo Monte: os “impactos perniciosos” e os discursos de "diálogo" do governo brasileiro

por Iara Tatiana Bonin, Doutora em Educação pela UFRGS

Há quem afirme, sem pestanejar, que o Brasil desponta entre as mais fortes potências e se torna referência para a América Latina. Para estes, os muitos questionamentos e protestos contra iniciativas supostamente vinculadas ao desenvolvimento regional e nacional, não fazem sentido. Assistimos a uma euforia desenvolvimentista nestes tempos, movimentada em especial pelas manifestações de representantes do Governo Federal que buscam dar visibilidade ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), esse amontoado de ações e de obras executadas em grande parte com recursos públicos, mas com finalidades nem sempre efetivamente voltadas ao bem “do povo”. Neste clima de celebração do crescimento a qualquer custo, não parecem aceitáveis as manifestações de descontentamento ou os protestos feitos por alguns segmentos sociais que não vêm razão para comemorar com determinas obras. Exemplo disso é a construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte.

Esgotados todos os recursos para promover um efetivo debate sobre Belo Monte e seus impactos, no âmbito do país, organizações indígenas e de apoio recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). As organizações solicitaram que este organismo exigisse do governo brasileiro apenas o cumprimento do que determina a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT: a realização de consulta às comunidades afetadas pelo empreendimento e, em particular, aos indígenas que vivem naquela região. Tais povos estabelecem com o rio uma relação ritual (considerando-o como fonte de vida) e não uma relação meramente utilitária (na qual o rio é visto como um recurso a ser explorado). É preciso ressaltar que, apesar do governo afirmar recorrentemente que houve diálogo e que as comunidades foram devidamente consultadas, as notícias e reportagens que têm circulado sobre o assunto mostram o contrário. Os próprios técnicos da Funai reconheceram, em vídeo divulgado amplamente na internet, que as visitas feitas a algumas comunidades indígenas eram apenas reuniões informativas, de preparação às oitivas.
Em resposta à reivindicação dos povos da Bacia do rio Xingu, a CIDH pediu a imediata suspensão do processo de licenciamento da usina. E o que se escuta, a partir de então, é o burburinho vindo de setores privados e a reação do Itamaraty, afirmando que as solicitações são “precipitadas”, “descabidas”, “injustificáveis”. E não poderiam faltar inflados pronunciamentos, como do senador José Sarney, em defesa da soberania nacional – esse conceito que hoje se torna cada vez mais plástico, contraditório e ambivalente. Ao que tudo indica, abrir a economia para investimentos internacionais de toda ordem e em setores estratégicos não atingiria a nossa soberania; permitir patenteamento, por empresas estrangeiras, de processos e produtos oriundos de saberes coletivamente constituídos não afetaria os interesses soberanos, mas a iniciativa indígena de recorrer à OEA para a defesa de direitos humanos, sociais e ambientais seria uma afronta à nação.
Assim, o argumento de “atentado à soberania” é mais uma vez utilizado como sinônimo de “discordar de posições e políticas oficiais”, tal como se registra naquelas páginas infelizes de nossa história, escritas com as tintas da ditadura. Aliás, naqueles tempos também se assumia o discurso desenvolvimentista quase como uma lei natural, um destino, a vocação de um país "que vai pra frente”.
Hoje, como ontem, representantes públicos se pronunciam em defesa de obras e ações supostamente “miraculosas”. Exemplo disso foi o discurso proferido pelo ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, declarando que o governo não abre mão da construção da usina de Belo Monte, que não há discussão em relação a isso porque ela será feita de um jeito ou de outro. Para o ministro, a função dos movimentos sociais, populares e indígenas seria, nesse caso, a de cobrar que a obra seja construída de forma mais humana, mais respeitosa. “Essa é a parte do diálogo que dá para a gente fazer”, concluiu. Mas que diálogo é esse no qual são discutidos apenas detalhes periféricos d e algo que é, desde o início, assumido como inevitável? E que tipo de consulta às comunidades pode ter sido feita pelo governo (e pela Funai), quando o ponto de partida é a noção do “fato consumado”?
A Constituição Federal brasileira determina que seja realizada consulta aos afetados por obras deste porte não para simplesmente constar como “peça” na engrenagem da democracia, mas para construir, a partir de diálogos efetivos, a definição de sua viabilidade ou inviabilidade. Do mesmo modo, a Convenção 169 (que a partir do Decreto n. 5.051/2004, assinado pelo Presidente da República, é assumida como norma a ser “executada e cumprida inteiramente”) assegura que o governo deverá “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente” (Artigo 6, alínea 1.a).
Além disso, a mesma Convenção assegura que “os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente” (Artigo 7, alínea 1). Se a oitiva às comunidades foi feita, conforme afirma o representante da Funai, quem a realizou não parece ter levado a sério os termos dessa Convenção.
O governo agora assume o compromisso de “estar mais presente nas mesas de negociações entre empresários, trabalhadores e comunidade”, conforme declarou o ministro Gilberto Carvalho. E isso pode ser entendido como um reconhecimento, ainda que indireto, de que algumas importantes definições relativas a obras monstruosas como esta passaram, até aqui, pelas “mãos” e pelos “olhares” de outros, e não os do poder público.
Fazendo alusão aos conflitos ocorridos nas usinas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, o ministro afirma que, em Belo Monte “é preciso antecipar cuidados com a saúde, com a segurança, com saneamento, para que o impacto da obra no local não seja tão pernicioso para as populações". Há que se perguntar, depois desta declaração oficial que teve como porta-voz o ministro, o que há, em Belo Monte, de tão espetacular e prodigioso que justifique os recursos nela empenhados, já que essa obra acarretará tantos “impactos perniciosos” sobre a população? A quem, afinal esse mega-investimento beneficiará?
As declarações injuriadas, ou cheias de rodeios e de salvaguardas feitas por representantes do governo quando os procedimentos relativos à Belo Monte são duramente questionados fazem pensar em quanta “massa cinzenta” é preciso empenhar quando se deseja justificar o injustificável. São meras desculpas para abrandar o fato de que obras como Belo Monte só beneficiarão grandes empreendedores e empreiteiras.
Porto Alegre, RS, 11 de abril de 2011.

Descaso e omissão provocam quadro emergencial no atendimento à saúde indígena no MT

Governo promete alterações, mas Sesai e Funasa repassam a culpa pelas mortes e desassistência em Campinápolis, interior do estado
Somente nos quatro primeiros meses desse ano, 35 crianças do povo Xavante morreram em decorrência de desnutrição e doenças respiratórias e infecciosas, em Campinápolis, interior de Mato Grosso. Essa situação levou o governador do estado, Silval Barbosa, a decretar, no início da semana, situação de emergência na saúde do município, distante 658 km de Cuiabá.
Campinápolis abriga atualmente uma população de cerca de 6,5 mil indígenas, em sua maioria do povo Xavante. As ocorrências de morte e descaso no atendimento à saúde da população indígena da região tem se agravado nos últimos anos. Ano passado, das 200 crianças nascidas, 60 em decorrência da falta de assistência à saúde. Em 2009, a situação se repetiu, quando 20 crianças morreram vítimas de doenças como pneumonia, gripe e diarréia.
De acordo com missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que atuam junto às comunidades indígenas da região, a situação da saúde pública no município é de total abandono, e que esta, já vem se arrastando há muito tempo sem que nada fosse feito. Ainda segundo os missionários, o quadro ficou ainda pior quando a Secretaria Especial de Atendimento à Saúde Indígena (Sesai) foi criada, em outubro do ano passado.
Com a publicação do Decreto 7.336/2010, que oficializou a criação da Sesai, esta passou a assumir todas as funções antes atribuídas ao Departamento de Saúde Indígena da Fundação Nacional do Índio (Funasa) e também as ações de saneamento básico nas áreas indígenas. No entanto, de acordo com o Ministério da Saúde, ao qual a secretaria está atrelada, durante o período de transição, o atendimento deveria ser feito pela Funasa. O que não aconteceu. Em diversas regiões, assim como em Campinápolis, os indígenas ficaram desatendidos pela Fundação quanto pela Sesai.
“Não adianta trocar a Funasa pela Sesai, se não houver uma mudança no sistema de atendimento à população indígena no geral, não somente em relação à saúde. De fato, o que vemos é que grande parte das pessoas que trabalhavam na Funasa estão trabalhando na Sesai. Que mudanças esperar então?”, afirmam os missionários.
No pólo de saúde do município a situação é precária, não há sequer camas, colchões, remédios e banheiros. O espaço não possui ainda água, energia elétrica e aparelhos para o atendimento médico, além de ter infiltrações por toda parte. Nem mesmo um veículo para conduzir os pacientes para outra unidade de saúde existe no local.
Essas e demais ocorrências relacionadas à precariedade ou à total falta de atendimento à saúde indígena já foram denunciadas, inclusive ao Ministério Público Federal. Apesar das diferentes formas de mobilização e de luta dos povos indígenas, no dia a dia o que eles encontram é o abandono e a omissão.
Não basta somente que os todos se voltem para a grave realidade de Campinapolis, que se arrasta assim por muitos anos. “Quando se faz barulho todos veem à região, mas quando tudo esfria logo vão embora e a situação permanece igual”, dizem os missionários. Para eles, é preciso uma política de atendimento aos indígenas, em todas as áreas. “É preciso ter infra-estrutura e não remendos como os que fazem por aí”, declaram.
Contrariando toda a realidade vivida pelos indígenas do país, em especial o que estão na região de Campinápolis, a Sesai divulgou em seu endereço eletrônico no último dia 25 de abril, um balanço das ações que tem desenvolvido na região. De forma falaciosa, eles afirmam que os Xavante do município estão sendo atendidos por cerca de 514 profissionais, tendo estes à sua disposição 16 veículos novos.
Coincidentemente no dia em que lançam tal balanço, a mídia publica que somente este ano 35 crianças do povo Xavante morreram vítimas do abandono e do descaso da saúde pública na região. Enquanto crianças indígenas continuam morrendo por desnutrição, Sesai e Funasa passam a culpa de um para o outro, sem, contudo cumprirem seu papel no atendimento à saúde indígena.
Para os missionários do Cimi na região, a situação não vai ser resolvida assim, com medidas emergenciais e repasses do governo federal ao município, pois esse dinheiro sequer chegará às comunidades. É preciso, de acordo com eles, gente interessada em resolver a questão da saúde indígena, pois esta está assim há muito tempo, desestruturada, assim como os demais órgãos de atendimento aos povos indígenas, entre eles a própria Fundação Nacional do Índio (Funai).
Fonte: www.cimi.org.br